Desde 1971, líderes mundiais encontram-se anualmente na cidade mais alta da Europa para debater o futuro do mundo. O poder mediático do Fórum Económico Mundial é, no mínimo, impressionante: é o evento não desportivo com mais cobertura mundial.
Apesar da grande maioria da comunicação ser focada no lado geopolítico, existe também um lado preocupado com o futuro das empresas e o seu papel numa sociedade progressista e inclusiva.
O tema de 2019, Globalização 4.0: Moldar uma nova arquitetura na Era da Quarta Revolução Industrial, ilustra bem os desafios que enfrentamos nos dias de hoje.
Dos vários painéis, discussões e jantares que tive oportunidade de participar, e apesar de existir um padrão nas preocupações – desigualdade, riscos políticos e inteligência artificial – destaco três frases que me deixaram a pensar.
1 – “Devíamos falar de trampolins sociais, em vez de redes de proteção social” – Stephane Kasriel, CEO Upwork
Numa altura de grande discussão em torno dos empregos que serão extintos pela automatização e robótica, as respostas mais comuns têm sido, por um lado, numa perspetiva de curto prazo, a que defende a criação uma rede de proteção para as pessoas que perderão o emprego, incluindo de subsídios; e por outro lado, a de longo prazo, que se foca em reskilling: dotar esses trabalhadores de novas ferramentas para voltarem ao mercado de trabalho com novas funções.
A título de exemplo, Singapura atribui uma parte da contribuição para a segurança social ao reskilling, e recentemente, o Estado francês pôs em prática uma medida semelhante.
Stephan Kasriel defendeu, em Davos, que para esta transição ser o menos dolorosa possível, temos que conseguir fazer o reskilling muito mais rápido, e sem uma obrigatoriedade que torna a sua implementação difícil. Um excelente exemplo disso são os freelancers: pela natureza do seu trabalho, conseguem aprender novas competências, valorizadas pelo mercado, a cada 6 meses – muito mais rápido que colaboradores de longo prazo.
A solução não passará, certamente, por colocar todas essas pessoas como freelancers, mas sim aprendermos com estes exemplos de como o podemos fazer de forma mais rápida e eficiente.
2 – “A China criou um manual escolar sobre Inteligência Artificial e colocou-o como leitura obrigatória em todas as suas escolas” – Amy Webb, Future Today Institute
No âmbito do reskilling, uma das competências mais importantes para os próximos anos é a da Inteligência Artificial (IA) – até aqui tudo expectável. A frase da Amy Webb surpreendeu-me bastante por mostrar o quanto a China entendeu, muito mais depressa que o mundo ocidental, como esta competência não diz respeito apenas a algumas pessoas da área das tecnologias da informação, mas sim a todos os cidadãos.
A vantagem competitiva que a China está a desenvolver em IA, numa altura em que já é inegável que serão a maior economia do mundo em breve, é um risco muito grande para a Europa e os EUA de perderem competitividade de forma muito rápida nos próximos anos. A imagem que temos da China como apenas um mercado de imitações baratas, está há muito ultrapassada – e se não investirmos em áreas fundamentais para o nosso futuro, como IA, arriscamo-nos a ficar presos à tecnologia que vem de um Estado que é, sob qualquer ângulo, uma ditadura.
3 – “Temos uma crise existencial, a maior crise que a humanidade já enfrentou. Se todos têm culpa, ninguém é culpado, e alguém é responsável. Muitos de vós aqui fazem parte desse grupo.” – Greta Thunberg, activista ambiental de 16 anos
Por último, não queria deixar de realçar a frase que marcou, do meu ponto de vista, toda a semana de Davos em 2019. Uma frase de uma ativista de apenas 16 anos, que teve a frontalidade de apontar o dedo a líderes mundiais – tanto políticos como os de grandes empresas.
Este gesto corajoso fez-me reflectir sobre a importância de todos nós pensarmos no papel que queremos ter na sociedade, que muitas vezes extravasa o trabalho do dia-a-dia.
Se no passado era uma vantagem competitiva as empresas terem uma estratégia de responsabilidade social, hoje torna-se essa é um imperativo à sua sobrevivência. Qualquer agente na nossa sociedade deve pensar no seu papel e impacto, e não apenas na maximização do lucro, não obstante a sua importância.
Em 2019, as empresas mais pequenas, certamente, não conseguem competir com orçamentos gigantescos, mas podem competir com o seu propósito de existir, pelo impacto que querem ter – e esta componente é cada vez mais crucial na altura do recrutamento.
Reflexões finais
O Fórum Económico Mundial, em Davos, é uma oportunidade para pensarmos, numa perspetiva de longo prazo, como as empresas e as sociedades se estão a moldar e a mudar. Para além das citações que referi, outras tantas poderia ter trazido, desde relacionadas com as questões da privacidade, blockchain ou liderança inclusiva. Não faltam também notícias polémicas sobre Davos, é certo, mas acredito que a discussão e visão de longo prazo sobre os nossos tempos, a importância de diferentes perspectivas e o lado positivo do globalismo, são o que realmente distingue o Fórum e falta em Portugal.
Artigo escrito por:
Daniel Araújo
CEO e Co-fundador da Attentive